
Quem está atacando o nosso guia alimentar?

Esse é um texto escrito por uma – antes de tudo, raivosa – gastróloga, professora de culinária e estudante de Nutrição.
No dia 23 de julho de 2020, consta na agenda oficial da Ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina, o seguinte compromisso das 15 horas: Videoconferência com a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (ABIA).
Cerca de dois meses depois, em 16 de setembro, um ofício é enviado pelo MAPA ao Ministério da Saúde solicitando a urgente revisão do Guia Alimentar para a População Brasileira, juntamente com a nota técnica número 42/2020/DAEP/SPA/MAPA, com ataques descabidos e desonestos ao texto do Guia.
Não foi coincidência.
Já não é nenhuma novidade a intenção do Presidente-Executivo da ABIA, João Dornellas, de aumentar o poder de diálogo da instituição com o Governo Federal na intenção de ganhar espaço para pleitear alterações no corpo do Guia Alimentar. Já em 2019, durante o fórum da Fispal Tecnologia, o representante da associação disse:
“O Guia, em si, tem muita coisa boa, mas exclusivamente o capítulo que fala da escolha dos alimentos passa longe da ciência e da tecnologia. E, aí, nós precisamos nos comunicar melhor com o nosso consumidor, com os nossos entes governamentais, inclusive, para tentar mudar essa ideia”
Vale lembrar que a ideia mencionada por João Dornellas é a classificação NOVA, descrita no segundo capítulo do Guia, responsável por elencar os alimentos a partir de seu nível de processamento. Em suma, o texto diferencia os alimentos em 4 diferentes categorias: os alimentos in natura ou minimamente processados – aqueles que não sofreram nenhum tipo de alteração após deixar a natureza ou aqueles que sofreram mínimas alterações, os ingredientes culinários – aqueles usados para temperar e cozinhar, os processados – fabricados essencialmente com adição de sal ou açúcar a partir de um alimento in natura ou minimamente processado e os ultraprocessados – aqueles que passam por diversas etapas e processamentos, sendo adicionados de diversos ingredientes, muitas vezes de uso exclusivamente industrial.
Segundo o Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (Nupens/USP) – o responsável por propor o conceito de ultraprocessados apresentado no Guia Alimentar bem como a classificação NOVA – só na base de dados Pubmed encontram-se indexados mais de 400 estudos se apropriando das duas ideias propostas no documento do Ministério da Saúde. É inegável a desonestidade escancarada no documento emitido pelo Ministério de Tereza Cristina, ao alegar que o Guia é “um dos piores do planeta”.
A tentativa de inserção do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento em questões que são da alçada do Ministério da Saúde soa como mais uma ação pautada em uma política genocida muito bem estruturada, pensada e voltada para os interesses das grandes indústrias e do agronegócio. Chega a ser inimaginável pensarmos em um caminho diferente a ser traçado por esse governo que em uma de suas primeiras canetadas extinguiu o Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional), órgão que assegurava a participação da sociedade civil nos debates acerca da construção de políticas públicas de Segurança Alimentar e Nutricional.
O Guia Alimentar e Nutricional para a População Brasileira representa um importante marco na Nutrição, abordando de maneira real e simplificada, sem simplismos, uma nova construção do comer e do comunicar a alimentação. Sendo ele então uma importante referência no que tange a construção de políticas públicas, o pensar ações de Educação Alimentar e Nutricional, a busca por uma rotulagem honesta e clara, sendo esses importantes pilares quando pautamos a busca pela democratização do acesso à informação, o direito a uma alimentação adequada e saudável e a erradicação da fome.
Que textão!!
A mensagem é clara: alimentação não pode ser tratada como mercadoria, alimentação é vida.
meu Deus que texto incriveeel