
O tiro certeiro do comandante do Exército

Às vésperas da sessão do STF que decidiu pela não concessão de habeas corpus preventivo para o ex-presidente Lula, o comandante do Exército, Eduardo Villas Boas, sugeriu em seu twitter que o Exército poderia agir a depender do resultado do julgamento. Foram comentários, no geral, em repúdio à “impunidade”.
O problema é que até os mais corruptos, no discurso, são contra a impunidade. Aliás, qualquer político investigado vai dizer, na frente das câmeras, que é contra a corrupção. Assim, a manifestação do general não é simplesmente pra falar o óbvio, é para avisar ao Supremo Tribunal Federal – e aos militares – que ele tá logo ali, sentadinho, com os pés em cima da mesa e de olho no julgamento. Isso não é somente reprovável, é ilegal. Como bem lembrou a economista Laura Carvalho em seu twitter, é algo contrário ao próprio Regime Disciplinar do Exército. Já que o militar é contra a impunidade, será que defenderá a punição a si mesmo?
GANHA-GANHA
E o pior de tudo é que, como explicou o Carapanã no último episódio do Anticast (recomendadíssimo), foi uma jogada que cedeu aos militares um poder que é quase mágico. Ou, como coloquei no título deste artigo, um tiro certeiro.
A ministra Rosa Weber, em seu voto, afirmou que estava votando contra o seu entendimento pessoal, pela maioria. Como a diferença na votação foi de apenas um voto, é um argumento que, convenhamos, não faz muito sentido. O meme abaixo, que eu vi no blog do Marcelo Auler, resume bem a questão.
Já vejo textos na internet associando o resultado do julgamento e particularmente o voto da Rosa ao Villas Boas. Tanto denunciando quanto agradecendo ao general. Então, como não associar uma coisa à outra?
Agora, e se fosse o contrário, e o STF tivesse autorizado o habeas corpus ao Lula? O general também sairia ganhando, porque estariam dizendo algo como “viram só, a única saída é com os militares mesmo”. Qualquer que fosse o resultado, para o general seria positivo.
E aí entram também outros pontos que foram falados no AntiCast. O principal deles é o papel da imprensa nisso tudo.
VISIBILIDADE
A imprensa, e não só a brasileira, parece não ter entendido – ou ter entendido muito bem – como desconstruir discursos de ódio. Quem era o Bolsonaro antes da imprensa impulsionar semanalmente suas declarações absurdas para todo o Brasil? Era um deputado no máximo classificado como medíocre. Mesmo que você concorde com os discursos dele, pare um pouco e pense. Tente colocar no papel o que ele fez, de fato, desde aquela declaração de que não estupraria a dep. Maria do Rosário – o que alavancou a sua visibilidade – até os dias de hoje? Praticamente nada.
Convenhamos, pelo menos esse mérito ele e seus filhos tem, eles souberam jogar o jogo. E nós, toda vez que denunciávamos esses absurdos, estávamos fazendo propaganda de graça. Com o Trump foi um processo muito parecido (para além da influência da Cambridge Analytics…).
E a mesma coisa está acontecendo agora.
Primeiro como tragédia, depois como farsa*
Recentemente, surgiu um movimento de militares que foram para a reserva para poder se candidatar nas próximas eleições. Quer jogada melhor do que essa? Qualquer militar agora vai surfar na onda do anti-petismo que, na pior das hipóteses, atinge mais de um terço da população. Enquanto isso, toda vez que nós da esquerda, petista ou não, denunciarmos as incongruências das decisões do STF, seremos associados ao petismo. Pra eles ganha-ganha, pra nós perde-perde.
Ao mesmo tempo, há também quem surfe na, digamos, rabeira do anti-petismo. Parte do próprio PT. Cada vez que o Bolsonaro cresce, por exemplo, o PT também cresce, porque o clima de polarização tende a aumentar a força não dos extremos – como é comumente dito – mas dos mais conhecidos em cada pólo. Isso se manifesta não só eleitoralmente, mas na política como um todo.
* Título de um livro do Zizek que, por sua vez, é uma releitura da frase “A história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”, de Marx.
Que fazer?
Além do episódio do AntiCast que sugeri no início deste texto, recomendo o vídeo de hoje do canal Tese Onze, da Sabrina Fernandes (segue abaixo).
Precisamos ficar atentos aos próximos capítulos desta trama e, mais do que isso, fazer auto-crítica e aprender com os erros. O fascismo merece não a nossa atenção e preocupação, mas o ostracismo. A frase “não alimente os trolls” nunca fez tanto sentido fora da internet.
Ficou com alguma dúvida? Quer dar alguma sugestão? Não deixe de comentar aqui embaixo e de me seguir no Instagram e no Facebook, para acompanhar de perto o meu trabalho. Até a próxima!